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Observatório Sírio para Direitos Humanos é Exército de um homem só: Rami Abdul Rahman passa 19 horas por dia ao telefone com ativistas tentado documentar guerra civilAnalistas militares em Washington acompanham sua contagem do número de soldados sírios e rebeldes mortos para avaliar a trajetória da guerra civil. A Organização das Nações Unidas (ONU) e as organizações de direitos humanos vasculham suas descrições de assassinatos de civis para que sirvam como evidências em possíveis julgamentos de crimes de guerra. Grandes organizações de notícias, incluindo o New York Times, citam seus números de vítimas.
No entanto, apesar de seu papel central na guerra civil, o imponente Observatório Sírio para Direitos Humanos é praticamente um Exército de um homem só. Seu fundador, Rami Abdul Rahman, 42 anos, que fugiu da Síria há 13 anos, opera a partir de uma casa geminada de tijolos vermelhos em uma rua residencial comum na monótona cidade industrial de Coventry, Inglaterra.
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Utilizando uma tecnologia simples e o serviço de internet mais barato disponível, Abdul Rahman gasta praticamente cada minuto de sua vida acompanhando a guerra na Síria, divulgando informações sobre o combate e o número de mortos. O que começou como esporádicos e-mails a respeito dos protestos no início do levante se tornou uma torrente de estatísticas e detalhes.
Todos os lados do conflito o acusam de ser partidário, e até mesmo ele reconhece que a verdade pode ser evasiva nos campos de batalha da Síria. Segundo ele, isso é o que o motiva a controlar sua operação sozinho.
"Eu preciso controlar tudo", disse Abdul Rahman. "Eu sou um simples cidadão de uma família simples que conseguiu realizar algo enorme usando meios simples - tudo porque eu realmente acredito no que estou fazendo."
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Ele não trabalha sozinho. Quatro homens que vivem na Síria o ajudam a publicar e reunir informações de mais de 230 ativistas no campo, uma rede enraizada na juventude de Abdul Rahman, quando ele organizava protestos políticos clandestinos. Mas Abdul Rahman assina cada atualização importante. Um quinto homem traduz as atualizações árabes para inglês para a página da organização no Facebook.
Abdul Rahman raramente dorme. Ele se levanta por volta das 5h30 da manhã e faz uma ligação para a Síria para acordar sua equipe. Primeiro, eles fazem uma contagem dos relatórios de acidentes do dia anterior e publicam um boletim. Então, ele se alterna entre atender ligações da imprensa - 10 em um dia lento, 15 por hora quando existem notícias quentes - e entra em contato com os ativistas.
Ele então transmite seu último email por volta das 21h e continua a monitorar notícias e vídeos do YouTube até por volta da 1h. Mas se há alguma notícia urgente toda essa agenda é alterada. Recentemente, por exemplo, boatos sobre o assassinato do coronel Riad al-Assad, fundador do Exército Livre Sírio, vieram à tona por volta das 23h. Abdul Rahman ficou acordado contatando ativistas perto da cidade de Deir al-Zour até 5h para confirmar que o coronel estava muito vivo, mas tinha perdido o pé em um ataque com carro-bomba.
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Em março, quando forças rebeldes perto das Colinas do Golan sequestraram 21 filipinos das forças de paz da ONU, seus telefones tocavam incessantemente. "Eu queria quebrar meu celular", disse Abdul Rahman, que por vezes, atende dois telefones ao mesmo tempo, um em cada orelha.
Ele disse que seu objetivo final era responsabilizar os causadores pela destruição da Síria. Para ele, mais atenção nos direitos humanos poderia levar o país a ter um futuro democrático melhor. "Temos que documentar o que está acontecendo na Síria", disse, pois cada lado está tentando executar uma "lavagem cerebral" para que aceitem sua versão dos acontecimentos. "O país está a caminho de ser dividido e destruído”, acrescentou. "Temos que tentar preservar o que ainda não foi destruído."
Abdul Rahman, que fundou o observatório em 2006 para destacar a situação de ativistas presos na Síria, enfrenta escrutínio constante por causa de seus números. Ele sofre acusações de ser uma ferramenta do governo do Catar, da Irmandade Muçulmana, da CIA e de Rifaat al-Assad, o tio exilado do presidente da Síria, Bashar al-Assad, entre outros. O governo sírio e até mesmo alguns rebeldes o acusaram de traição.
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A contagem de Abdul Rahman para o número de mortos no conflito sírio atingiu 62.550, um pouco abaixo do número publicado pela ONU de mais de 70 mil. Segundo ele, até o dia 10 de abril, março foi o mês com a maior contagem, 6.005 mortes.
"Acho que nossos números estão bem próximos da realidade, mas ninguém tem total certeza da realidade", disse. "Posso garantir que nada é publicado antes de ser verificado com fontes confiáveis para assegurar a informação."
Segundo Abdul Rahman, o número final pode ser o dobro do que foi documentado, dado o tamanho da Síria, o número de conflitos e seus problemas de comunicação.
Ativistas em cada província pertencem a um grupo de contatos do Skype que Abdul Rahman e seus assessores acessam para confirmar de forma independente os detalhes de eventos significativos. Ele depende de médicos locais e tenta contatar testemunhas. No telefone, por exemplo, ele pediu para que um ativista visitasse um hospital para contar os mortos de um ataque.
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A intensa carga de trabalho tem tido consequências na vida familiar de Abdul Rahman. Sua única filha, Amani, 6 anos, nem sequer diz "bom dia" quando acorda, disse sua esposa, Etab Rekhamea. "Ela pergunta: 'Qual é a notícia da Síria? Qual é a notícia sobre a Frente Nusra?'."
Abdul Rahman passa tanto tempo trancado no andar de cima em seu minúsculo escritório, que Amani costuma contatá-lo via Skype da sala de estar. Uma vez, quando ele concordou em levar sua família para um piquenique, apareceu carregando seus dois telefones celulares e seu laptop. "É como se ele tivesse uma amante", disse sua mulher.
A guerra se estendeu por muito mais tempo e foi muito mais destrutiva do que ele esperava, e por agora, segundo ele, suas estatísticas são tanto uma tática quanto um recurso. "A verdade conscientizará as pessoas", disse Abdul Rahman. "Ouvir a respeito do número de pessoas mortas todos os dias irá fazê-los perguntar ao governo, 'Para onde é que você está nos levando?'"
Por Neil Macfarquhar