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Mulheres que ajudaram a encontrar Bin Laden vivem sob ameaça no Paquistão

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BBC

Agentes de saúde que participaram de falsa campanha de vacinação para descobrir paradeiro de líder da Al-Qaeda sofrem por falta de emprego e estigmatização da sociedade

No dia 15 de março, a agente de saúde paquistanesa Mumtaz Begum, 35 anos, recebeu um telefonema que mudaria sua vida. Na ligação, seu supervisor a convocou para uma reunião na manhã seguinte. Mas mal sabia ela que o verdadeiro objetivo do encontro não seria definir os detalhes de mais uma campanha de vacinação, na qual ela trabalharia imunizando as pessoas, como inicialmente lhe foi informado.

Begum e outras 16 agentes de saúde paquistanesas se tornaram peças-chave na caçada por aquele que, na época, era o fugitivo mais procurado do mundo: Osama bin Laden.

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Elas participaram de uma campanha de vacinação falsa, coordenada pelo médico Shakeel Afridi e concebida pela CIA cujo verdadeiro objetivo era tentar coletar sangue e material orgânico contendo o DNA dos integrantes da casa que, segundo suspeitas confirmadas da inteligência americana, servia de esconderijo para o líder da Al-Qaeda.

Bin Laden foi morto em maio de 2011 por um esquadrão de elite americano em uma operação secreta no distrito de Abbottabad, na província de Khyber Pakhtunkhwa (norte do Paquistão).

Mas desde então, as 17 agentes de saúde que participaram da campanha de vacinação falsa têm vivido sob ameaças. Todas perderam seus empregos e agora são consideradas "traidoras" em seu país. Os serviços de inteligência paquistaneses prenderam Afridi, que trabalhava para o departamento de saúde de Khyber Pakhtunkhwa, e o acusaram de colaborar com a CIA.

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Além disso, em fevereiro de 2012, o departamento de saúde de Khyber Pakhtunkhwa demitiu todas as 17 profissionais que teriam participado da campanha de vacinação usada como fachada pela inteligência americana, acusando o grupo de trabalhar "contra o interesse nacional".

Consequências

Como resultado, Mumtaz vive hoje com a família em uma casa precária de dois cômodos em Abbottabad. As paredes não têm reboco, o telhado está cedendo e um dos quartos não tem porta.

No segundo cômodo, uma parte da parede está coberta com cartazes de programas de planejamento familiar, cuidados primários de saúde e campanhas de vacinação - um sinal de como o trabalho de agente de saúde é importante para ela.

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Caçula de uma família com seis filhos, ela foi a única que conseguiu um emprego. Nenhum dos irmãos é casado, o que também é incomum no Paquistão - e ajudou a agravar os problemas financeiros da família.

Desde 1996, quando Mumtaz começou a trabalhar como agente de saúde em sua província, ela tornou-se responsável por comprar comida para seus pais e irmãos. O dinheiro, porém, não foi suficiente para pagar o tratamento da catarata de sua mãe - que está praticamente cega - e da epilepsia de uma de suas irmãs.

"Agora que perdi meu emprego, não podemos nem pagar por duas refeições completas (por dia)", diz Mumtaz, aos prantos. Muitos de seus colegas enfrentam problemas semelhantes.

Problemas de saúde

"Eu costumava trabalhar com a força de sete homens, mas agora estou esgotada", diz a também agente de saúde Akhtar Bibi, de 49 anos.

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Akhtar foi acusada de ser do "círculo de confiança" de Afridi e de ter sido uma das profissionais que de fato entrou no esconderijo de Bin Laden para obter amostras de sangue de seus residentes.

Ela nega as acusações, mas conta que foi interrogada por agentes de inteligência paquistaneses após a prisão de Afridi, em 2011. "Foi depois disso que comecei a sofrer de hipertensão. E tudo piorou quando meu marido me deixou e foi morar com sua segunda esposa. Ele diz que eu fiquei estigmatizada", conta Bibi.

A ex-agente de saúde agora trabalha como empregada doméstica ganhando pouco mais de US$ 1 por dia. "Afridi não nos obrigou a nada. Foi o departamento de saúde de nossa província que nos instruiu a trabalhar sob suas ordens", diz Akhtar.

"Na reunião de 16 de março de 2011, vários funcionários do alto escalão do departamento estavam presentes. E foram eles que fizeram de Afridi o coordenador desse programa."

Akhtar, Mumtaz e outras de suas colegas dizem que não sabiam que a campanha de vacinação para a qual foram recrutadas serviria para encobrir um plano da CIA para confirmar o paradeiro de Bin Laden.

Na reunião, Afridi teria dito às agentes de saúde que o objetivo da campanha era imunizar mulheres de 15 e 49 anos contra a hepatite B nas cidades de Nawanshehr e Cidade Bilal, no distrito de Abbottabad.

Campanha

Akhtar diz que a primeira etapa da campanha, realizada em 16 e 17 de março, envolveu 15 profissionais de saúde e se concentrou em Nawanshehr. Esta é a área da qual outro líder da al-Qaeda, Abu Faraj al-Libbi, teria escapado em 2004, após quase ser capturado pelo serviço de inteligência paquistanês.

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Segundo Akhtar, mais duas campanhas de vacinação foram realizadas na região: uma de 12 a 14 de abril e outra nos dias 20 e 21 do mesmo mês. A última se concentrou na Cidade Bilal, onde o esconderijo de Bin Laden foi localizado.

"Nove agentes de segurança cobriram a área de Cidade Bilal em dois dias. O doutor Afridi supervisionou pessoalmente a campanha. Ele havia alugado duas vans para nós e também usou um carro oficial do departamento de saúde", conta a paquistanesa.

Segundo Akhtar, ela, Afridi e outra profissional de saúde teriam batido na porta da casa que seria o esconderijo de Bin Laden, mas ninguém os atendeu. Ela diz não saber como Afridi terminou conseguindo as amostras dos habitantes do local, mas se lembra de ter ouvido ele dizer que era "muito importante" imunizar as pessoas daquela casa.

Desconhecimento

Não está claro se Afridi sabia que tipo de informação seria tirada das amostras de DNA que o grupo estava recolhendo. No ano passado, as 17 profissionais de saúde entraram com um recurso em um tribunal paquistanês contra sua demissão, alegando que teriam sido usadas como "bodes expiatórios" por altos funcionários do departamento de saúde de sua província.

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Em março, o tribunal ordenou a reintegração das demitidas, mas autoridades locais dizem ainda não ter decidido se irão recorrer. Uma grande preocupação das agentes de saúde, porém, é que elas até podem obter os seus empregos de volta, mas será mais difícil se livrar das ameaças e estigmatização social.

Por medo de represália, a maioria das paquistanesas contactadas pela BBC se recusou a falar sobre o caso. Outras pediram para não serem fotografadas ou não terem seus nomes publicados.

A entrevista com Akhtar teve de ser feita em um local "secreto", longe dos olhos de vizinhos e conhecidos. "Minha vida está em perigo", explicou. "A minha e a de todas nós."


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