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Ministros do STF fixam penas para os cinco crimes pelos quais o publicitário foi condenado no esquema do mensalão, mas cálculo definitivo deve sair nesta quinta-feiraEm sessão tumultuada e marcada por bate-boca entre os ministros, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou mais penas ao publicitário Marcos Valério, cuja somatória pode passar dos 40 anos, 1 mês e seis dias de prisão em regime fechado. Mas essas penas são provisórias, o resultado definitivo no caso do publicitário deve sair nesta quinta-feira. Isso porque o Supremo ainda tem de decidir de que forma aplicará alguns critérios, entre eles o princípio de nexo de causalidade, que na prática pode atenuar a pena dos réus em cada condenação.
Nesta quarta-feira, no caso de Valério, foram estabelecidas as penas dos crimes de corrupção ativa e peculato duas vezes, nos episódios que envolvem o Banco do Brasil e o fundo Visanet, evasão de divisas e também de lavagem de dinheiro, que, segundo os ministros, foi praticado 46 vezes em continuidade delitiva. No total, Valério foi condenado por cinco crimes, alguns mais de uma vez. Ontem, os ministros estabeleceram penas por três crimes: peculato (4 anos e 8 meses por reclusão e mais 210 dias/multa, dez salários mínimos por dia) e corrupção ativa (4 anos e 1 mês por corrupção ativa e mais 180 dias/multa, dez salários mínimos por dia), no caso da Câmara dos Deputados, e formação de quadrilha (2 anos e 11 meses).
No caso da corrupção ativa relativa ao pagamento de vantagem indevida por Valério ao ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, venceu o cálculo feito pelo revisor do processo, Ricardo Lewandowski, de 3 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão mais o pagamento de 30 dias/multa (15 salários mínimos por dia).
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Já em relação aos dois peculatos, referentes ao repasse ilegal do Banco do Brasil ao fundo Visanet e aos bônus de volume atribuídos aos contratos entre o BB e a agência de Valério, foi referendada pelos ministros a pena calculada pelo relator Joaquim Barbosa: 5 anos, 7 meses e 6 dias de reclusão a 230 dias-multa no valor de 10 salários mínimos cada.
Pelo crime de lavagem de dinheiro, Valério foi condenado por 46 operações no STF. Então, neste caso, foi aplicado o princípio da continuidade delitiva. O relator Joaquim Barbosa, em seu cálculo, já levou em conta a repetição dos crimes para condenar o publicitário a 11 anos e oito meses de reclusão mais 291 dias multa (no valor de dez salários mínimos por dia). No entanto, prevaleceu a dosimetria de Lewandowski, que estabeleceu uma pena mais branda. Isso aconteceu porque houve empate no STF e, mais uma vez, foi usado o critério 'in dubio pro reo' (na dúvida, beneficia-se o réu). O publicitário, então, foi condenado a 6 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão e mais 20 dias multa (15 salários mínimos vigentes à época dos fatos) pelo crime de lavagem de dinheiro.
Ao analisarem o crime de corrupção ativa, referente a repasses a parlamentares da base aliada, os ministros do STF definiram a pena em 7 anos e 8 meses de reclusão mais 225 dias multa no valor de 10 salários mínimos cada dia. Sobre evasão de divisas, que envolve o pagamento no exterior ao publicitário Duda Mendonça e sua sócia, o STF estabeleceu a pena de 5 anos 10 meses mais 168 dias de multa em relação às 53 operações verificadas nos autos do processo.
Logo no início da sessão, o advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, pediu a palavra no plenário e questionou as penas e as agravantes imputadas até agora ao publicitário . “No caso do desvio da Câmara foram condenadas cinco pessoas. A fixação do valor será para um no total? Ou proporcional a todos os acusados?”, contestou.
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O presidente do Supremo, Ayres Britto, agradeceu a "interferência" do advogado, mas sugeriu que tal tipo de intervenção poderia ter sido feita através de memorial, assim como agiram outras defesas no caso do mensalão.
A sessão foi marcada por um intenso debate entre os ministros quanto à temporalidade da consumação do delito de corrupção ativa por Marcos Valério. Barbosa fixou uma pena de 4 anos e 8 meses ao réu pelo crime, levantando divergência por parte de Lewandowski, que aplicou reclusão de 3 anos, 1 mês e 10 dias. Segundo o revisor, Barbosa não havia considerado, em seu voto, o fato de que uma lei não pode retroagir para endurecer a pena de um réu.
Tal lei, que começou a vigorar em 2003, torna mais grave a prática da corrupção, e fixa a pena entre 2 e 12 anos de reclusão. Pela lei antiga, anterior a 2003, essa aplicação varia de 1 a 8 anos de prisão.
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O ministro relator afirmou, primeiramente, que não há nos autos prova de quando foi feita a oferta da propina a Pizzolato. Mas que há dados concretos de que a entrega do dinheiro em questão foi feita em janeiro de 2004, portanto após o endurecimento da legislação. "A conduta ocorreu sob a égide da ( nova ) lei. Nenhum dado dos autos permite afirmar que o oferecimento ou a promessa de vantagem indevida ocorreu apenas no ano de 2003", sustentou.
Lewandowski discordou do relator e disse que o crime de corrupção ativa não se caracteriza pelo recebimento da vantagem indevida, mas sim, pela oferta. O revisor também argumentou que, se há dúvidas nos autos sobre quando houve o oferecimento da oferta, o réu não pode ser prejudicado. "A dúvida não pode ser interpretada contra o réu."
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A partir do debate, os dois ministros protagonizaram, mais uma vez, uma acalorada discussão no plenário, envolvendo outros ministros, que, na sua maioria, concordaram com o posicionamento de Lewandowski. Diante do impasse, Barbosa resolveu adotar a lei antiga, porém não alterou a sua dosimentria, provocando novo embate no plenário. “Não tenho como dizer que essa oferta ocorreu em 2003 porque houve repasses milionários, um de R$ 32 milhões em março de 2004 (...) já que insistem eu adoto a fundamentação proposta por Celso ( de Mello ), adoto a lei anterior, mas mantenho a pena."
Lewandowski, então, levanta a questão constitucional da razoabilidade. "No somatório das penas, nós vamos chegar a uma pena estratosférica, nós temos que calibrar a pena", disse, ao que foi prontamente interrompido pelo relator: “A minha lógica não é a de Vossa Excelência. Não barateio o crime de corrupção. Olha os valores ministros ( dos desvios no Banco do Brasil ). (...) A tática do ministro Lewandowski é que ele quer plantar o que quer colher daqui a pouco.”
Depois do intervalo, no entanto, Barbosa pediu desculpas por ter se excedido em plenário. “Estou preocupado com o ritmo da dosimetria e isso tem me levado a me exceder, o que fiz ao rebater de maneira exacerbada o ministro Lewandowski, a quem peço desculpas pelo excesso”, afirmou. Em sua fala, Lewandowski aceitou o pedido de desculpas de Barbosa. “Queria ressaltar o gesto de grandeza de Barbosa e dizer que nossas divergências não desbordam o plano jurídico”, disse.