Wilson Lima
Expectativa era de que o comandante do Doi-Codi não falasse no depoimento desta sexta-feira; sessão terminou com bate-boca entre vítima e aliados do militar, assista ao vídeoOs quatro membros da Comissão Nacional da Verdade (CNV) que estavam presentes ao depoimento do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna do 2º Exército em São Paulo (DOI-Codi/SP), entre 1970 e 1974, ficaram surpresos com o depoimento do coronel mas mesmo assim não afastaram a possibilidade de chamá-lo para uma acareação com vítimas do regime militar.
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Assista ao depoimento de Ustra:
Ustra, no entanto, não pretende ficar frente a frente com qualquer pessoa que alega ter sido vítima do regime. Durante seu depoimento desta sexta-feira, Ustra, inclusive, chegou a se desentender com o vereador Gilberto Natalini (PV), ao chamá-lo de terrorista. Natalini, que preside a Comissão da Verdade de São Paulo, disse que foi torturado por Ustra e diante da negativa do militar, afirmou aos berros: "Sou um brasileiro de bem. O senhor é que é terrorista. Eu fui torturado pelo coronel Ustra”. Aliados do coronel protestaram e o tumulto interrompeu a sessão.
“No final, foi um depoimento importante e ele colaborou mais do que imaginávamos”, disse o ex-procurador-geral da República, Cláudio Fonteles.
A expectativa inicial era que Ustra não prestasse qualquer tipo de informação à CNV e que ele se ativesse a apenas a ler trechos do livro A Verdade Sufocada, no qual faz esclarecimentos sobre o funcionamento do DOI-Codi durante o regime militar. Tanto que durante toda a semana, a CNV negociou a vinda de Ustra levantando a possibilidade de uma condução coercitiva do coronel reformado.
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Na prática, Ustra esclareceu apenas alguns pontos, mas o suficiente para a CNV ter mais indícios da sua participação em atos de tortura ou mortes no período. Na avaliação dos quatro membros que estavam na reunião desta sexta-feira (o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles; a advogada Rosa Maria Cardoso; o escritor e advogado José Paulo Cavalcanti e o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias), a forma como ele respondeu às perguntas e o fato de se negar a enfrentar pontos polêmicos pesaram contra o comandante do DOI-Codi.
A expectativa agora é que Ustra seja intimado a uma acareação com vítimas do regime ou mesmo policiais que faziam parte do DOI-Codi. Mas a data para isso ainda não está definida.
Depoimento
Antes de seu seu depoimento à CNV, Ustra leu uma carta na qual falava sobre o combate à luta armada no Brasil. “Na primeira quinzena de 1970, o terrorismo aumentava cada vez mais principalmente no Estado de São Paulo e no Rio de Janeiro. Os órgãos policiais assim surpreendidos estavam despreparados para enfrentar as ações terroristas até mesmo em São Paulo, com a atuação da Operação Bandeirante”, disse Ustra.
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Falando “em nome de Deus”, Ustra negou mortes ou estupros que ocorriam dentro das unidades do DOI-Codi. “Durante o meu comando, nunca fui punido, nunca fui repreendido. Recebi os melhores elogios da minha vida militar e recebi a mais alta condecoração outorgada pelo exército brasileiro em tempo de paz”, disse. “Estávamos cientes de que estávamos lutando para preservar a democracia, para combater o comunismo. Hoje, se não fosse essa luta, eu estaria no paredão”, acusou Ustra. Ele inclusive disse que a presidente Dilma Rousseff fazia parte de quatro organizações terroristas no Brasil durante o período da luta armada. “O objetivo principal da luta armada não foi o combate à ditatura, foi a implantação do comunismo”, disse Ustra em referência à presidente Dilma.
Aparentando nervosismo diante de aproximadamente 20 perguntas feitas pelo ex-ministro da Justiça José Carlos Dias e também após os questionamentos de Fonteles, Ustra limitou-se novamente a confirmar a versão oficial de algumas mortes ocorridas no regime ditatorial. Por exemplo, sobre a morte de Frederico Mayr, morto atropelado por um caminhão dias após ter sido preso por militares, Ustra foi irônico. “Nós íamos contratar um caminhão com motorista? Como íamos fazer uma coisa dessas?”, afirmou.